Dicionário de Humor Infantil – Uma lembrança

Eu contava nove anos. Percebendo meu interesse por leitura,  meus pais me apresentaram a um livro sem se darem conta, talvez, de que estavam desencadeando uma obsessão, a primeira epifania do engenho da palavra.  A descoberta da poesia – como se lá eu soubesse o que isso significava . Assim como mal sabiam todas aquelas crianças que ajudaram a escrever o “Dicionário de Humor Infantil”, compilação de pérolas ditas por sabichões de 03 a 11 anos e reunidas pelo escritor e pediatra Pedro Bloch. Ontem à noite, desprevenido, lembrei deste episódio.  E do livro. E compreendi  um tanto melhor porque o grande poeta Manoel de Barros, por vezes, recorria a frases ditas pelo filho, ainda criança, em seus trabalhos: há coisas que apenas o universo infantil consegue desvendar. Eis aqui algumas delas.

ABOLIÇÃO: Uma coisa assinada pela escrava Isaura.

ABSTRATO: Sim, eu sei o que é abstrato. Esta sopa, por exemplo, leva abstrato de tomate.

ADULTO – É uma pessoa que sabe tudo, mas quando não sabe diz logo: “veja na enciclopédia”.

ALEGRIA – É um palhaçinho no coração da gente.

AMAR – É pensar no outro, mesmo quando a gente nem tá pensando.

ARCO-ÍRIS – É uma ponte de vento colorido.

BEBÊ: É uma coisa que ainda tem a cabeça verde. Não funciona como a gente.

BOBO: É uma pessoa cheia de coisas vazias.

BOCA – É a garagem da língua.

BONITA – “Se eu sou bonita ou inteligente? Se eu sou bonita, você vê na cara. E se eu sou inteligente, nem respondo a uma pergunta boba dessas”.

BRUXA – É uma fada que ficou velha e perdeu a dentadura.

CABELO – É uma coisa que serve pra gente não ficar careca.

CALCANHAR – É o queixo do pé.

CHOCOLATE – É uma coisa que a gente nunca oferece aos amigos porque eles aceitam.

CINEMA: É um lugar onde a gente come pipoca.

COBRA – É um bicho que só tem rabo.

CORAÇÃO – A professora diz que “não ter bom coração” é ser mau. E “não ter fígado”, o que é?

CRIANÇA – Ser criança é não estragar a vida.

DEUS – Um dia eu disse que Deus era muito distraído e todo mundo riu. Só não sei a graça que isso tem.

DIA: Hoje é amanhã de ontem.

DISTÂNCIA – A Europa fica mais longe que a Lua. A Lua eu vejo.

ELÉTRONS – São os micróbios da eletricidade.

ENGRAÇADO – É o meu boletim do mês passado, porque o deste mês não tem graça nenhuma.

ESCURO – Tenho mais medo de avião que de escuro. É que escuro não voa, nem cai.

ESPERANÇA – É um pedaço da gente que sabe que vai dar certo.

ESTUDIOSO: Ser estudioso é pensar pouco e decorar muito.

FÁCIL E DIFÍCIL – Fácil é tomar sorvete. Difícil é comer espinafre.

FÉ – É uma menininha, na praia, esvaziando o mar com um baldezinho de plástico furado.

FELICIDADE – É peixinho comer isca sem se machucar no anzol.

FUTEBOL – É um jogo em que, às vezes, a trave joga melhor que o goleiro. Pega tudo.

FUTURO – É tudo que vem depois e, quando chega, já era.

GÊMEAS: Eu vi duas meninas de cara repetida.

HONESTIDADE – É assim: eu acho mil reais. Aí eu devolvo ao dono quinhentos reais e fico com quinhentos, pra pagar minha honestidade.

HORA: A melhor hora da minha escola é a hora da saída.

ILHA: É um morro que caiu dentro do mar.

INFERNO – É um lugar onde a gente morre muito mais.

JARDIM ZOOLÓGICO – O bicho que eu mais gostei, no jardim zoológico, foi o vendedor de sorvete.

JUÍZO: É fazer tudo o que mamãe acha que tá certo, mesmo quando está errado.

LEQUE: É um espanador de ventinho.

LÓGICA – Uma nota de dez rasgada no meio não dá duas de cinco, dá?

MÃE – Quando você era menina, quem era minha mãe?

MENTIRA – (ouve-se o estraçalhar de um vidro no banheiro e o menino grita) – “É mentira do barulho!”

MISTÉRIO – É uma coisa que a gente não sabe explicar direito e, quando explica, já não é.

NAMORADO – É uma pessoa que tem medo do claro.

NEVOEIRO – É poeira do frio.

NOITE: É o dia com luz apagada.

ORGULHO – É anão pensar que é gigante e lagartixa pensar que é crocodilo.

OVO: Dizem que Colombo botou um ovo em pé. Eu não boto nem sentado.

PACIÊNCIA – É uma coisa que mamãe perde sempre.

PAI – Ser pai é mais difícil que ser mãe. Pai precisa usar gravata.

PIADA – É uma coisa engraçada que perde a graça quando a pessoa avisa que vai ser.

POLUIÇÃO – É sujeira do progresso.

PSICÓLOGA – Mamãe me mandou pra psicóloga e, depois da minha sessão, eu acho que a psicóloga melhorou.

QUANDO PUDER: É muito tarde.

RAÇA – Esse negócio de raça não tá com nada. Me contaram que, na África do Sul, numa igreja, o negro ajoelhado só podia lavar o chão. Rezar não podia. Esses brancos deviam ter vergonha de rezar. Nem ia adiantar. Deus nem tava lá.

REDE – É uma porção de buracos amarrados com barbante.

REFLEXO – É quando a água do lago se veste de árvores.

RELÂMPAGO – É um barulho rabiscando o céu.

ROBÔ: É um monte de peças e computadores que pensam que viraram gente.

SAUDADE – É quando uma pessoa que devia estar perto está longe.

SOL: Eu não errei na prova. Só disse que o Sol nasce no nascente e dorme no dormente.

SONO – É saudade de dormir.

SORTE – É a gente acordar, se preparar pra ir pra escola e descobrir que é feriado nacional.

STRIP-TEASE – É mulher tirando a roupa toda, na frente de todo mundo, sem ser pra tomar banho.

TAMANDUÁ: É um bicho todo desarrumado. Até formiga ele come.

TRISTEZA – É uma criança com gesso no pé, sem assinatura.

VEIAS – São raízes que aparecem no pescoço das meninas que gritam.

VIDA – A vida a gente não explica. Vive.

VIDA – A vida de muita gente é só gol contra.

VOCAÇÃO- É a voz do papai.

W: São dois vês que nasceram gêmeos.

XINGAR – Quando eu xingo a minha avó, só xingo a metade que é do meu irmão.

Y: É uma letra parecida com um estilingue, que é intrometida.

ZEBRA: Um burro que nasceu com listras, coitado.

Sobre Bruno Batista

Cantor, compositor, flamenguista, cervejeiro, detesta cozinhar mas não se incomoda em lavar as louças.
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